sábado, 1 de maio de 2010

Belo Monte é o maior roubo já articulado pelos honoráveis bandidos

POR OSWALDO SEVÁ

O projeto da mega usina hidrelétrica é bem chamado de “Belo Monstro” pela garotada de Altamira (PA), pelos ribeirinhos índios e não índios do Xingu paraense, e por alguns de nós adultos brancos ainda combatentes da ditadura do PT e da destruição movida pelo capital.

E vai se confirmando o que eu escrevo há anos: mentira em cima de mentira, um dia pode desabar. Goebbels, o propagandista nazista,  dizia que a mentira sempre repetida torna-se verdade, mas nem sempre ele acerta.

Nesta quarta-feira, 14, começou a circular a notícia de que, mais uma vez, o juiz federal de Altamira, no Pará, Antonio Carlos Campelo, havia acolhido a liminar de uma Ação Civil Pública movida por procuradores da República, e determinado a suspensão da Licença Prévia Ambiental do projeto Belo Monte (concedida pelo Ibama, em fevereiro) e o cancelamento do leilão da eletricidade futura da hipotética usina, marcado para 20 de abril pela Aneel, aquela que merece o nome de Agência dos Negócios da Energia Elétrica.

Segundo o noticiário na mesma data, além de suspender a licença prévia e cancelar o leilão, o juiz ordenou que o Ibama se abstenha de emitir nova licença, que a Aneel se abstenha de fazer novo edital e que sejam notificados o BNDES e as empresas Norberto Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Vale do Rio Doce, J. Malucelli Seguradora, Fator Seguradora e a UBF Seguros.

Diz o juiz que a notificação é para que tomem ciência de que, enquanto não for julgado o mérito da presente demanda, poderão responder por crime ambiental. As empresas também ficam sujeitas à mesma multa arbitrada contra a Aneel e o Ibama em caso de descumprimento da decisão: R$ 1 milhão, a ser revertido para os povos indígenas afetados.

É apenas questão de dias para que essa decisão judicial seja revertida pelos advogados do executivo barrageiro lulista-sarneysista a serviço do capital hidrelétrico transnacional.

Como num verdadeiro trem fantasma de parque de diversão, a cada curva uma surpresa. Nem sempre as informações usadas por um foram percebidas ou utilizadas pelos outros. É o caso da matéria do grande jornalista paraense Lúcio Flavio Pinto, intitulada “Belo Monte: lago cresceu”, publicada na edição 462 de seu Jornal Pessoal, nesta primeira quinzena de abril de 2010:

“No EIA RIMA, a área do reservatório sofre uma ligeira correção para 515 km quadrados. Mas no edital de licitação da obra, marcado para o dia 22 ( ou dia 20?) houve um reajuste ainda mais acentuado, para 668 km2. A evolução, a parir da primeira versão do novo projeto, já passou de 50%. Embora em valores absolutos a diferença não seja tão expressiva, o percentual é alto demais para que a dança de números transcorra sem explicações. E até mesmo sem cobranças já que os opositores do projeto não parecem ter observado a mutação. ”

Meu recado para quem anda articulando mais uma Ação Civil Pública a qual, corre o risco de, como as demais, apenas “fazer as coisas menos mal feitas”: eis um bom motivo para enquadrar o crime de falsidade ideológica, já que a Licença Prévia diz um numero e o edital diz outro, e ambos foram paridos pelo mesmo poder. A não ser que se decida que a agência de negócios elétricos não faz parte de nenhum poder.

Bem, do jeito que vai, acabará sendo como a obra de Jirau no rio Madeira, onde, depois de obtidas a Licença Prévia e a Licença de Instalação, as transnacionais barrageiras mudaram o eixo de barramento quase 10 quilômetros rio abaixo, o que provocará o alagamento de terras e a expulsão de moradores nunca previstos nem estudados no EIA.

Ou então, vai dar chabu. Salvo engano excepcional, do qual me redimirei se preciso, as pistas que levam ao chabu geral são:

1. O investimento seria da ordem de R$ 30 bilhões, mas o governo insiste com valores de 18, 19, 22 bilhões, nessa faixa. Ninguém sabe de fato o custo dos canais imensos concretados (500 metros de largura, 20 metros de profundidade) nem das dezenas de diques laterais que formariam as cinco represinhas dos igarapés afluentes da margem esquerda do Xingu no interior da Volta Grande.

A colunista Miriam Leitão repercutiu isso no dia 10, logo após a desistência das duas maiores empreiteiras em participar do leilão:

“Sobre Belo Monte, recaem muitas dúvidas. De toda ordem: financeira, ambiental, de engenharia. Isso é que está assustando investidores. - Há um canal gigantesco que precisa ser feito, cujo estudo nunca foi feito adequadamente. Não se sabe se esse terreno é 90% pedra e 10% terra, ou o contrário. O custo do canal vai depender da natureza desse terreno - diz Mario Veiga, presidente da PSR”.

2. Como nenhum grande banco privado quis entrar no maior roubo já articulado pelos honoráveis bandidos, o governo obriga o BNDES a bancar, sem que os técnicos do banco tenham analisado detalhadamente se dá ou não retorno. O governo pressiona agora a Petros, o Funcef e a Previ - fundos de pensão dos petroleiros e dos bancários, há anos sendo dirigidos pela aristocracia cutista, para colocarem a grana, ou melhor, a pensão futura dos trabalhadores e de suas viúvas, sem o devido respaldo de analise de retorno. Enquanto isso, quase todas as grandes empresas seguradoras ficam só olhando, e as concorrentes do leilão exigem que o Tesouro Nacional securitize o risco. Nem Al Capone faria tão bem.

Quando até a Miriam Leitão publica no Globo.com artigo intitulado “Na lei ou na marra”, é porque o “Belo Monstro” também virou pauta da imprensa da campanha serrista. Segundo a colunista:

“Em Belo Monte, se prepara para fazer concessões maiores para atrair investidores a qualquer preço e iniciar a obra em qualquer contexto jurídico, passando por cima de quaisquer dúvidas ambientais. Isso porque, como disse o presidente: “Belo Monte será construída”. Talvez seja mesmo, mas antes será preciso cumprir a lei. Na marra, não será possível.”

3. O risco geotécnico. Esse é o grande segredo, que em 2009 alguns deixaram escapar e que agora parece ter motivado de fato a desistencia da Odebrecht e da Camargo Correa, que soa incompreensível sob qualquer outro ângulo. A Camargo, com o seu escritório CNEC, está insuflando os projetos no Xingu desde a década de 1970, quando, entre otras cositas, contribuía para a repressão sobre os opositores da ditadura. Mas é o corpo técnico que melhor conhece o projeto e os locais onde seria construído.

Se o risco geotécnico for o motivo, há razões: o piso da Volta Grande é a transição entre o terreno cristalino do planalto central e o terreno aluvionar da planície amazônica, tem trechos de terreno cárstico (com carbonatos de cálcio, frágil, furado, cavernoso), as lajes por onde o riozão se espalha, e, às vezes, mergulha por debaixo, mostram fraturas rochosas longas, profundas, em forma de mosaico, que são visíveis na morfologia da Volta Grande, e talvez sejam bem mais graves por baixo da camada visível.

4. E claro, lá estão de olho os kaiapó, alguns milhares, que sobreviveram aos massacres seculares, vieram desde o Triângulo Mineiro e o sul de Goiás, para o Mato Grosso e o sul do Pará, e agora não tem mais para onde ir. Conhecem os brancos melhor do que nós mesmos. Eles vão guerrear até morrer.

5. “Last but not least”, estão no ar as campanhas do James Avatar Cameron, do cantor Sting e de varias ongs barulhentas, incluindo os aliados do bispo de Altamira, dom Erwin Krautler e parte da sua igreja aqui e na Europa. Esse pessoal já monitora os fatos e estrila como nunca dantes ocorreu.

Os demais argumentos dissidentes (pouca energia do rio para tanta potência instalada, mais de 20 mil atingidos sem reassentamento, graves perdas ambientais, audiencias publicadas manipuladas e sob repressão fardada) são justos e importantes, mas não o suficiente para fazer o projeto naufragar.

Fica a incógnita se a candidatura Dilma naufraga junto ou não. Por enquanto, a aliança petista-sarneysista, da qual Belo Monstro virou emblema, está somente fazendo água, levando susto a cada curva.

Oswaldo Sevá é professor no Departamento de Energia e na Pós-Graduação em Antropologia da Unicamp, além de organizador do livro coletivo “Tenotã Mõ. Alertas sobre as conseqüências dos projetos  hidrelétricos no rio Xingu, Pará, Brasil”.

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